Não é objectivo do Budismo encontrar somente defeitos no amor, mas antes ensinar-nos a abrir os nossos corações à verdadeira natureza das coisas. Devemos fazer isto, porque contemplar e compreender as coisas como elas são, é o caminho para o fim do sofrimento. Um dos métodos para tal é refletir regularmente acerca das simples verdades da vida e deixar que as mesmas sejam absorvidas. Relembrarmo-nos que é natural envelhecer, que não podemos evitar o envelhecimento, que é natural ficar doente, que não podemos evitar a doença, que é natural morrer, que não podemos evitar a morte. A separação de todos aqueles que amamos e daquilo que possuímos irá sem dúvida acontecer mais cedo ou mais tarde. Assim, somos livres de amar se esse for o nosso desejo, mas é bom termos a inteligência de ter constantemente em mente que o tempo que temos para passar com aqueles que amamos é limitado. Pode ser por um período curto de uns poucos meses ou anos, ou um período mais longo de 10 anos, 20 anos, 50 anos. Mas independentemente de quanto tempo estamos juntos, em última instância essa será meramente uma associação temporária. O corpo humano é composto de elementos emprestados pela natureza, e talvez tenhamos de os devolver a qualquer momento. Se reflectirmos na impermanência e incerteza da nossa vida juntos, deverá ser fácil abrirmos mão de aborrecimentos mútuos e perdoarmo-nos uns aos outros, em vez de discutirmos sobre assuntos sem importância. Todas aquelas discussões sem sentido, zangas e amuos são uma triste perda de tempo para quem o tempo juntos é limitado. Nós não temos o privilégio dos seres celestiais. Se eles têm discussões mesquinhas sobre pequenas coisas divinais, não tem grande importância, pois eles têm milhões de anos para remediar as coisas enquanto se reúnem a fazer grinaldas, a cantar canções e por aí fora. Nós, seres humanos, não temos tanto tempo. Até pessoas novas morrem todos os dias por doenças, em acidentes ou em guerras. Reflectir sobre a fragilidade da vida e sobre a impermanência, torna o nosso amor mais inteligente e dá-lhe a proteção da sabedoria. Os praticantes do Dhamma, refletem todos os dias na morte e na separação, para assim treinar a mente a aceitar as indesejáveis verdades que achamos difíceis de aceitar. Precisamos de fazer isto por um longo período, sem complacência, e não apenas ocasionalmente. Se assim o fizermos, quando alguém morrer, ainda que seja alguém que nos é próximo ou alguém que amamos, ainda que a morte seja súbita, o primeiro pensamento na nossa mente será que todas as coisas (saṅkhāra) são verdadeiramente impermanentes, tal como o Buddha tão brilhantemente nos ensinou. Para os praticantes espirituais, a mágoa que surge é contrabalançada pelo firme e correto entendimento de como as coisas são realmente.
A prática do Dhamma implica observar atentamente a nossa mente, os seus pensamentos e emoções. Envolve reconhecer o papel que os desejos têm e de como influenciam as nossas experiências e como tantas vezes só vemos aquilo que queremos ver. Suponhamos, por exemplo, que tínhamos decidido que aqueles que podemos amar têm de possuir certas e determinadas qualidades. Se depois de nos apaixonarmos constatamos que eles não possuem algumas ou nenhuma dessas qualidades, muitos de nós negaríamos que esse seria o caso. Fazemos isto projectando na nossa mente ideais sob a realidade de quem amamos, até que por fim vemos neles só aquilo que queremos ver. Isto obviamente não é a melhor base para uma relação saudável. Em casos mais extremos pode acontecer que não estejamos a relacionar-nos com a verdadeira pessoa, mas com o ideal criado na nossa mente sobre quem é essa pessoa. Não é de surpreender que, quando eles agem de forma conflituosa com a nossa ideia, possamos sentir um amargo e irracional sentimento de mágoa. Aprender a reconhecer os ideais, desejos e expectativas que projectamos nos outros é uma tarefa difícil mas importante, se quisermos atenuar o sofrimento. Quantas vezes nos aborrecemos pela forma de agir de alguém que amamos, não tanto pela natureza da própria ação mas pelo que ela implica relativamente a algumas das nossas tão estimadas suposições ?
Aprender sobre nós próprios oferece-nos uma melhor compreensão sobre os outros porque, na verdade, ao observarmos a nossa mente estamos a estudar a natureza de toda a mente humana. Começamos a tornar-nos mais empáticos e a vermos que sem a presença de sabedoria, as boas intenções nem sempre são suficientes. As mulheres que reconhecem as falhas dos seus parceiros, muitas vezes decidem tomar em mãos o projeto de os transformar. Apesar de tomarem a sua tarefa com amor e sinceridade, muitas vezes agem de forma a serem interpretadas pelos parceiros como crítica à sua pessoa, levando-os a sentirem-se magoados e a tornarem-se teimosos. Amar os nossos parceiros não deve significar que somos obrigados a fingir que não vemos os seus defeitos, ou estar em seu favor em todas as situações. Mas para sermos capazes de ajudá-los a mudar, precisamos de paciência e perseverança, respeito e aceitação para com a presente situação. Partirmos do pressuposto de que eles deveriam ser melhores do que são é um extremo a evitar. Assumir que eles estarão para sempre da forma como são é o outro extremo. O caminho do meio implica uma compreensão das causas e dos efeitos, bem como da arte do possível. Dar uma importância exagerada ao amor tem muitas desvantagens. Em casos extremos a glorificação do amor pode conduzir a violência e assassinato. Crimes passionais são uma presença clássica nas manchetes dos jornais: talvez um amante abandonado mate aquele que o rejeitou, ou mate o novo amante dela, ou mata os dois, ou mata-se a si próprio, ou mata os dois e depois a si próprio. Tais tragédias podem não acontecer assim tão frequentemente, mas quantas pessoas infelizes no amor sonham com violência de vez em quando? Imagino que um grande número. O verdadeiro culpado não é a pessoa, mas uma identificação com o amor, pensar que uma vida sem amar alguém em particular não tem valor nem significado. Tais pensamentos são um sinal de um baixo ‘Q.I.A.’ . Pessoas com baixa ‘inteligência amorosa’ são capazes de matar ou destruir qualquer coisa excepto a sua própria ignorância.
Outra situação dolorosa tem a ver com o enorme número de mulheres que são frequentemente espancadas pelos seus companheiros em todo o mundo (uma vez vi as estatísticas da policia britânica, que mostravam quase 500.000 casos de violência doméstica por ano). Mulheres com hematomas por todo o corpo, braços partidos, costelas partidas, etc., são diariamente tratadas em hospitais. Algumas morrem. E porque é que tantas mulheres atormentadas concordam em voltar a viver com os seus companheiros abusivos ? Algumas toleram-nos por causa das crianças, outras por medo, outras por inércia, outras por não terem para onde ir, outras ainda, e talvez mais frequentemente, por causa do amor.
O amado, já não enfurecido ou alcoolizado, geralmente em lágrimas, insiste que ama a sua parceira. Ele pede desculpa e uma última oportunidade, e ela então admite que ainda o ama e concorda, com esperança de que daí para a frente as coisas irão melhorar. E assim é-lhe dada uma nova oportunidade, e outra, e outra, pois o arrependimento do agressor dissolve-se facilmente, normalmente no álcool. Neste mundo, tantas coisas horríveis são justificadas em nome do amor. Mas a violência doméstica não é só contra as mulheres. Actos de violência de mulheres contra homens são também frequentes no ocidente, mas muito pouco documentados. No período inicial do amor, o nosso amado parece-nos ser bom em quase todos os aspectos. Até defeitos visíveis parecem-nos adoráveis ou quanto muito apenas como uma pequena imperfeição que o verdadeiro amor deve ignorar. Pensamos que não importa que haja diferenças, quer estas sejam a nível geral, quer sejam em termos de kamma, carácter, valores, pontos de vista ou crenças. Pensamos que não importa, pois nós amamo-nos! Tudo o resto se resolverá.
Mas depois de casados por algum tempo, as pequenas irritações que costumavam estar caladas, escondidas lá no fundo, tendem a mover-se para uma posição mais proeminente ou até a tomar uma posição central. Um casal com suficiente sabedoria para abrir mão dos seus pontos de vista, fazer concessões e adaptar-se, pode sobreviver. Mas muitos casais começam a aprender a amarga lição de que o amor não é uma vacina de confiança contra o sofrimento. Quando as opiniões e o orgulho colidem, as palavras “não é assim que as coisas são,” “não é assim que as coisas deveriam ser,” “não posso aceitar isso'', "nem pensar, ``''não!" surgem com mais frequência. Ainda nos amamos ? Sim, mas...