Outra dificuldade que pode acompanhar o amor é o desconforto com as famílias dos nossos companheiros. Por vezes os pais ou os irmãos dos nossos companheiros não gostam de nós; outras vezes somos nós que não gostamos deles. Às vezes envolve um assunto em particular, mas a maior parte das vezes trata-se somente de um conflito de personalidades. Muitos admitem que se pudessem escolher não queriam ter absolutamente nada a ver com alguns dos seus familiares; mas suportam-nos por um sentimento de dever, para assim manter a paz na família. Alguns podem ter a boa fortuna de se darem bem com todos, mas para muitas pessoas, relações com familiares e amigos daqueles que amam, são mais um fardo que uma bênção, que vem com o amor. Aqui o objetivo não é denegrir o amor, mas desenvolver uma compreensão mais completa e realista do mesmo. Podemos por exemplo observar como as relações amorosas podem enfraquecer outras amizades. Podem surgir os ciúmes. É-nos difícil quando um velho amigo nosso não se dá bem com a pessoa que amamos, ou quando se dão bem demais. Sem o amor, este sofrimento não ocorreria; mas ocorre como resultado direto do amor. Limites discriminativos e parcialidade são inerentes ao amor pessoal. O fato de que temos sentimentos mais fortes para com o nosso amado do que para com as pessoas por quem passamos diariamente na rua, é precisamente o ponto. O fato de esse amor ser tão especial para nós, é exatamente o que nos seduz. Mas apesar de tudo o que este amor nos dá, ele não nos pode conduzir à paz.
Nos meus tempos de escola, um dos meus familiares via Mahatma Gandhi como seu herói pessoal. Ahiṁsa, o método não violento de oposição à opressão, desenvolvido por Gandhi, marcou-o muito. Após seis anos como monge na Tailândia, voltei a casa de visita pela primeira vez. Certo dia ao conversar com esse meu familiar, perguntei-lhe se ainda tinha admiração por Gandhi. Ele disse que sim, mas à medida que a sua vida mudou também mudaram as suas opiniões acerca da não-violência. Naquela época ele era pai de duas crianças pequenas e confessou que se alguém tentasse fazer mal aos seus filhos, se necessário, ele não hesitaria em matar. Era assim apologista da não-violência, exceto em determinadas circunstâncias. Mais tarde refleti, que ainda que eu compartilhasse dos seus sentimentos, pareceu-me que assim que permitimos o conceito da “lamentável necessidade" ou “casos especiais”, a não-violência está efetivamente perdida. Ahiṁsa com excepções não é ahiṁsa. Nesse dia percebi como o amor, até o lindo amor entre pai e filho, pode minar os nossos ideais de vida. Algumas pessoas têm a sorte de ter excelentes companheiros para a vida toda. Após anos e anos juntos continuam a apreciar muito a companhia um do outro. Não se afastam um do outro, vão juntos a todo o lado e fazem coisas juntos; falam docemente um para o outro, sem mau humor nem críticas. Mas até este tipo de felicidade, por mais idílica que pareça, normalmente tem desvantagens a longo prazo: torna-nos negligentes e complacentes no nosso empenho espiritual. É como estarmos sentados confortavelmente num bom sofá e não nos querermos levantar para ir trabalhar. No final, não importa o quanto as pessoas se amam, eventualmente terão de se separar de acordo com a incontestável lei da natureza. Obviamente, aqueles que se tornaram muito dependentes do seu companheiro, irão sofrer por não terem desenvolvido a sua própria força. Resumindo, o amor traz muitos benefícios. Protege-nos da solidão e dá calor e companheirismo à vida. Mas não é um bem absoluto: por natureza é incompleto pois continua restringido ao ciclo do nascimento e da morte. A qualquer momento pode causar sofrimento àqueles com pouca sabedoria; sem educação espiritual, as dificuldades que traz às nossas vidas são inevitáveis ou pelo menos difíceis de evitar.