Ser Ninguém

Se você alguma vez leu Dom Quixote, irá se lembrar que ele lutava contra moinhos de vento. Todos estamos fazendo exatamente o mesmo, lutando contra moinhos de vento. Dom Quixote, que foi a invenção da imaginação de um escritor, era um homem que acreditava ser um grande guerreiro. Ele pensava que cada moinho de vento que encontrava era um inimigo e começava a guerrear contra ele. É exatamente isso que fazemos no íntimo dos nossos próprios corações e é por essa razão que essa história tem um apelo imortal. É uma história sobre nós mesmos. Escritores e poetas que sobreviveram além da sua própria era, sempre relataram aos seres humanos histórias sobre eles mesmos. A maioria das pessoas não querem ouvir porque não ajuda nada quando outras pessoas nos dizem o que existe de errado conosco, e pouquíssimos se dão ao trabalho de ouvir. Cada um tem que descobrir por si mesmo e a maioria das pessoas não quer fazer isso tampouco. O que realmente significa guerrear contra moinhos de vento? Significa lutar contra tudo que não seja importante ou real, ou seja, só inimigos e batalhas imaginárias. Temas bem insignificantes que convertemos em algo sólido e formidável nas nossas mentes. Podemos dizer: “Eu não posso tolerar isso” e assim começamos a lutar, ou “Eu não gosto dele” e uma batalha se desencadeia, ou “Eu me sinto tão infeliz” e a guerra interior irrompe com fúria. Nós nem sabemos direito porque estamos tão infelizes. O tempo, a comida, as pessoas, o trabalho, o lazer, o país, qualquer coisa em geral serve como razão. Por que isso acontece conosco ? Porque resistimos à ideia de soltarmo-nos verdadeiramente das coisas e tornarmo-nos aquilo que realmente somos, isto é, nada. Ninguém quer ser nada.

Todos querem ser alguma coisa ou alguém, mesmo que seja apenas um Dom Quixote lutando contra moinhos de vento. Ou ainda, alguém que sabe e age, e que irá se tornar alguma outra coisa, alguém que possui certos atributos, concepções, opiniões e idéias. Mesmo as ideias claramente equivocadas são agarradas com firmeza, porque elas fazem com que o “eu” tenha mais solidez. Parece negativo e depressivo ser ninguém e não ter nada. Temos que descobrir por nós mesmos que essa é a sensação mais recompensadora e libertadora que podemos ter. Mas porque tememos que moinhos de vento possam nos atacar, não queremos nos soltar das nossas idéias. Por que não podemos ter paz no mundo ? Porque ninguém quer se desarmar. Nenhum país quer assinar um acordo de desarmamento, o que nós todos lamentamos. Mas alguma vez olhamos para ver se nós mesmos na verdade nos desarmamos ? Se nós mesmos não fizemos isso, por que nos surpreendemos com o fato de que ninguém mais está preparado para fazer isso também ? Ninguém quer ser o primeiro a não ter armas; os outros poderão vencer. Isso realmente importa ? Se não houver ninguém que possa ser conquistado ? Como pode existir uma vitória sobre ninguém ? Deixe que aqueles que lutam vençam todas as guerras, tudo que importa é ter paz no próprio coração. Enquanto resistirmos e rejeitarmos e continuarmos a buscar todo tipo de desculpas racionais para continuar a agir dessa forma, haverá guerras.

A guerra se manifesta no exterior através da violência, agressão e morte. Mas como ela se revela internamente? Nós temos um arsenal dentro de nós, não de armas e bombas nucleares, mas que possui o mesmo efeito. E quem se fere é sempre aquele que está atirando, isto é, nós mesmos. Algumas vezes uma outra pessoa se posiciona dentro da linha de tiro e se ela não for cuidadosa também será ferida. Esse é um acidente deplorável. As principais explosões são as bombas que explodem no próprio coração. A área de desastre é onde elas são detonadas.

O arsenal que carregamos conosco consiste na nossa má vontade e raiva, nossos desejos e cobiças. O único critério é que não nos sentimos em paz interiormente. Não precisamos acreditar em nada, só necessitamos verificar se há paz e alegria no nosso coração. Se estiverem ausentes, a maioria das pessoas tentará encontrá-las fora de si mesmas. Assim é como todas as guerras começam. Sempre a culpa é do outro país, e se não houver ninguém em quem colocar a culpa, então a justificativa é a necessidade de mais território para expansão, maior soberania territorial. Em termos pessoais, a pessoa precisa de mais diversão, mais prazer, mais conforto, mais distrações para a mente. Se ela não puder encontrar alguém para culpar pela própria “encontrar alguém para culpar pela própria falta de paz, então a pessoa crê que essa é uma necessidade não satisfeita.

Quem é essa pessoa que precisa ter mais? Uma invenção da nossa imaginação, lutando contra moinhos de vento. Esse “mais” nunca tem fim. A pessoa poderá ir de país em país, de pessoa em pessoa. Existem bilhões de pessoas neste planeta; é muito improvável que queiramos ver cada uma delas, ou mesmo a centésima parte, uma vida inteira não seria suficiente para isso. Podemos escolher vinte ou trinta pessoas e ir de uma para outra e depois regressar, mudando de uma atividade para outra, de uma idéia para outra. Estamos lutando contra o nosso próprio sofrimento e não queremos aceitar que os moinhos de vento no nosso coração são gerados por nós mesmos. Acreditamos que alguém colocou-os ali contra nós, e se nos movermos iremos escapar deles.