O Dia Do Seu Nascimento

Neste exato momento, todos estamos morrendo. Alguns mais lentamente, outros de maneira mais rápida. Se podemos estar vivos agora, é porque estamos morrendo em todos os instantes. Podemos pensar que outra pessoa está morrendo, mas nós não. Porém, não devemos nos deixar enganar pelas aparências.

Existem dois níveis de verdade sobre nascimento e morte. No nível da verdade convencional, podemos dizer que existe nascimento e morte, início e fim, criação e destruição. Podemos, por exemplo, olhar para um calendário e indicar a data em que alguém nasceu e morreu. Em geral, todos temos uma certidão de nascimento, e, sem ela, é complicado conseguir um passaporte ou se matricular em uma escola. E quando morremos, um atestado de óbito é expedido com a data e a hora da nossa morte. Nesse sentido, nascimento e morte são coisas reais. E importantes. São conceitos úteis. Mas não representam completamente a verdade.

Olhando mais profundamente, podemos ver que o momento em que oficialmente nascemos não é realmente o momento do nosso nascimento. Trata-se apenas de um momento de continuação. Antes disso, já existíamos. Passamos oito ou nove meses no útero. Em que momento nos tornamos quem somos? Algumas pessoas afirmam que deveríamos alterar a data do nosso nascimento para o instante em que somos concebidos. Mas isso também não seria muito preciso. Bem antes do momento da nossa concepção, os elementos que nos compõem já estavam presentes no esperma e no óvulo que se uniram para ajudá-lo a se manifestar. E também existíamos nas condições que ofereceram apoio e nutriram nossa mãe durante a gravidez. Aliás, bem antes disso, existíamos em nossos avós. Na verdade, poderíamos atrasar a data do nosso nascimento infinitamente. Não existe um momento em que não existíamos. É por isso que, na tradição Zen, perguntamos coisas como: “Qual era a sua aparência antes do nascimento da sua avó?”.

O dia de nosso nascimento oficial é um dia útil para nos lembrarmos da nossa continuação. E cada dia em que estamos vivos é um dia de continuação. No interior do nosso corpo, existem eternos nascimentos e mortes. Estamos começando a existir e abandonando a existência a cada momento de nossa vida. Quando nos coçamos, nossa pele é alterada e novas células nascem. No tempo que gastamos para ler este parágrafo, milhares de células morreram. Mas elas são tantas que seria impossível organizar um funeral para cada uma. Ao mesmo tempo, milhares de novas células nascem, e seria impossível organizar festas de aniversários para elas.

Existe uma conexão íntima entre nascimento e morte. Sem uma não existe a outra. Como costumamos dizer, sem a morte de uma semente nunca teremos o fruto.

Tendemos a pensar na morte como algo muito negativo, obscuro e doloroso, mas não é exatamente assim. A morte é essencial para tornar a vida possível. Ela é transformação, é continuação. Quando morremos, outra coisa nasce, embora demore um tempo para se revelar a nós para que possamos reconhecê-la. Pode haver certa dor no momento da morte, ou quando um primeiro botão surge na casca de uma árvore durante a primavera. Porém, sabendo que a morte não é possível sem um nascimento, somos capazes de suportar a dor. Devemos observar profundamente para reconhecer a manifestação do novo quando algo morre.