Formaçōes Internas

Há um termo na psicologia budista que poderia ser traduzido como “formações internas”, “algemas” ou “nós”. Quando ocorre uma entrada sensorial, dependendo da forma como a recebemos, um nó pode ser amarrado dentro de nós. Quando alguém fala de um modo grosseiro conosco, se compreendermos o porquê disso, e não levarmos a sério aquelas palavras, não vamos ficar irritados de forma alguma, e nó nenhum será atado. Mas se não compreendermos por que falaram conosco daquela forma e ficarmos irritados um nó será amarrado em nós. A ausência de entendimento claro é a base de cada nó.

Se praticarmos a plena consciência, seremos capazes de reconhecer as formações internas logo que se formarem, e vamos encontrar formas de transformá-las. Por exemplo, uma esposa pode ouvir o marido contando bravatas numa festa, e sentir dentro de si a formação da falta de respeito. Se ela e o marido conversarem sobre isso, poderão compreender claramente o que houve, e o nó interno dela será facilmente desatado. As formações internas precisam de toda a nossa atenção, logo que se manifestam, enquanto ainda estão fracas, para que o trabalho de transformação seja fácil.

Se não desatarmos os nossos nós logo que se formam, eles vão ficando cada vez mais apertados e fortes. Nossa mente racional, consciente, sabe que os sentimentos negativos como raiva, medo e remorso não são inteiramente aceitáveis para nós ou para a sociedade, por isso encontra formas de reprimi-los, de empurrá-los para áreas remotas da nossa consciência, a fim de serem esquecidos. Porque queremos evitar sofrimento, nós criamos mecanismos de defesa que negam a existência desses sentimentos negativos e nos dão a impressão de termos paz interior. Mas nossas formações internas estão sempre procurando maneiras de se manifestarem enquanto imagens, sentimentos, pensamentos, palavras ou comportamento destrutivos.

A forma de lidar com formações internas inconscientes é, primeiramente, encontrar maneiras de nos tornarmos conscientes delas. A prática de respirar conscientemente, pode nos dar acesso a alguns dos nós que estão atados em nosso interior. Quando nos conscientizamos das nossas imagens, sentimentos, pensamentos, palavras e comportamento, podemos nos questionar: Por que será que eu me senti desconfortável quando ouvi ele dizer aquilo? Por que será que eu disse aquilo a ele? Por que será que, sempre que vejo aquela mulher, penso em minha mãe? Por que será que eu não gostei daquele personagem do filme? Quem será que eu odiei no passado que se assemelha a ela? Observar minuciosamente, dessa forma, pode gradualmente levar as formações internas enterradas em nós ao reino da mente consciente.

Durante a meditação sentada, depois de termos fechado as portas e janelas dos nossos sentidos, às vezes, as nossas formações internas inconscientes se revelam como imagens, sentimentos ou pensamentos. Podemos notar um sentimento de ansiedade, de medo ou insatisfação cujas causas não conseguimos entender. Então brilhamos a luz da nossa atenção sobre aquele sentimento, e nos preparamos para ver aquela imagem, sentimento ou pensamento em toda a sua complexidade. Quando o sentimento começa a mostrar sua cara, pode reunir forças e tornar-se mais intenso. Podemos achá-lo tão forte, que rouba a nossa paz, alegria e bem-estar, e podemos não querer mais entrar em contato com ele. Podemos decidir mudar nossa atenção para outro objeto de meditação ou suspender a meditação totalmente; podemos sentir sonolência ou dizer que preferimos meditar noutra hora. Em psicologia, isso é chamado de resistência. Estamos com medo de trazer à mente consciente os sentimentos de dor, que estão enterrados dentro de nós, porque eles vão nos fazer sofrer. Mas se estivemos praticando por algum tempo, respirando e sorrindo, vamos ter desenvolvido a capacidade de sentar em quietude e apenas observar os nossos medos. Enquanto estivermos em contato com nossa respiração e continuarmos a sorrir, podemos dizer: “Olá, Medo! Você está aí de novo!”

Tem gente que se senta em meditação muitas horas por dia e nunca realmente enfrenta seus sentimentos. Algumas pessoas dizem que os sentimentos não são importantes, e preferem dar atenção aos assuntos metafísicos. Eu não estou sugerindo que outros assuntos de meditação não sejam importantes, mas se estes não forem considerados em relação aos nossos problemas reais, nossa meditação não terá realmente muito valor ou utilidade.

Se soubermos viver cada momento de maneira desperta, estaremos conscientes do que está acontecendo com nossos sentimentos e percepções no momento presente, e não vamos permitir a formação de “nós”, ou que os “nós” fiquem cada vez mais cegos em nossa consciência. Se soubermos observar nossos sentimentos, podemos encontrar as raízes antigas das formações internas e transformá-las, mesmo aquelas que se tornaram muito fortes.