Fisgado

Contemplar o não-desejo é outra maneira de praticar a concentração na ausência de objetivo. Cada um de nós carrega uma boa dose de desejo internamente. Estamos sempre olhando para fora de nós mesmos, tentando encontrar algo que nos deixe saciados e completos... seja comida, prazer sexual, dinheiro, relacionamento, status social ou êxito. Porém, enquanto a energia do desejo estiver viva dentro de nós, nunca nos satisfaremos com o que temos e com quem somos neste momento, e a verdadeira felicidade não será possível. A energia do desejo nos projeta para o futuro, e, com isso, perdemos toda a nossa paz e liberdade no presente. Tudo parece indicar que só seremos felizes quando alcançarmos o que desejamos.

Porém, ainda que alcance seu objeto de desejo, você nunca se sentirá completamente saciado. Assim como um cão roendo um osso, não importa quantas horas você passe contemplando seu objeto de desejo, você nunca se sentirá satisfeito. Nunca sentirá que já tem o bastante.

A obsessão pode se tornar uma espécie de prisão que nos impede de experimentar a verdadeira felicidade e liberdade.

Podemos passar nossa vida inteira correndo atrás de riqueza, status, influência e prazeres sensuais, sempre pensando que essas coisas poderiam melhorar nossa qualidade de vida. Ainda assim podemos acabar sem tempo para viver. Nossa vida se torna apenas um meio para conseguir dinheiro e se tornar “alguém”.

Buda usou a imagem de um peixe mordendo uma isca atraente. O peixe não sabe da existência de um gancho escondido na isca, que parece deliciosa. Porém, assim que a morde, o peixe fica enganchado e é capturado. O mesmo acontece conosco. Corremos atrás de coisas que parecem desejáveis, como dinheiro, poder e sexo, mas não percebemos o perigo que existe nelas. Destruímos nosso corpo e mente correndo atrás dessas coisas, e nem assim desistimos delas. Da mesma maneira que existe um gancho escondido na isca, existe perigo no objeto do nosso desejo. Quando enxergamos o gancho, aquilo que desejávamos perde seu poder de atração e nos tornamos pessoas livres.

Em um primeiro momento, tudo indica que, deixando de lado o que desejamos, perderemos muita coisa. Porém, quando finalmente nos livramos disso, percebemos que não perdemos nada. E nos tornamos até mais ricos do que antes, pois temos liberdade e o momento presente, assim como o lavrador que vendeu tudo para comprar o tesouro que existia na terra.